quinta-feira, 30 de abril de 2009




Era uma manhã nublada, daquelas em que as pessoas gostam de relaxar, sob cobertores cheios, em frente a TV iluminada em películas de amor, suspense ou dramas catastróficos.

Mas o menino de nossa narrativa breve queria ir para a escola, aprender mais sobre as palavras, as figuras de linguagem, das quais jamais esqueceria depois, sempre confudindo-as, contudo.

E foi, levado por seu pai, estava frio. Aula de matemática, geografia, educação física... Até que enfim, português! Metáforas, metonímias, prosopopéias, eufemismos, aliterações... Poesia em forma de aula! "Era a vida, era a vida...", diria o menino, já homem-feito.

Foi ali, em uma daquelas aulas simples, com colegas alheios, inquieto, que descobriu a riqueza de sua própria incompletude. As metáforas, metonímias, prosopopéias, eufemismos, aliterações, como descobriria mais tarde, encobriam sua própria falta de nexo com o mundo; manifestavam em palavras poéticas seu silêncio perturbador. Sentia-se como Bernardo:

Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos
ouvem de longe
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando 3
fios de teias de aranha.
A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?)

Manoel de Barros, Livro das Ignorãças, 1993


Postado por Diário Halotano.

terça-feira, 28 de abril de 2009




Quando muito novo eu era, assisti pela primeira vez ao O Poderoso Chefão, The Godfather.

Desde então, sonho com armas, vinhos caríssimos, porões, prostitutas, extorsão, paisagens sicilianas, reuniões secretas, FBI, famílias, homens gordos, cenas em banheiros de restaurantes, Nova Iorque, strippers, Omertá.

A Máfia é, em meu imaginário, assim, ao mesmo tempo, metáfora da brutalidade e da sutileza; da maldade e da fidelidade.

A Máfia encarna para mim, dentro de meus sentimentos italianos mais honestos e impacientes, tudo o que deveria ser eliminado de nossa sociedade, já por si só corrupta. Todavia, simultaneamente, encerra um cenário incrivelmente atraente e sedutor.

Afinal, quando cenas do poderoso chefão, ou da família Soprano, dançam em minha memória, conheço uma espécie de sensação de pertencimento, uma identidade, um conforto. E, por oposição, os mesmos quadros me causam repulsa e nojo. É uma relação ambígua esta minha, com o crime organizado de características italianas, tal e qual pintado nas telas. Ambiguidade própria da identidade por si mesma, eu sei...

Postado por Diário Halotano.

segunda-feira, 27 de abril de 2009




Se até o cactus do meu irmão Marcelo consegue gerar uma flor tão linda, por que não germinamos o amor em nosso coração?

Eu amo vocês!

Postado por Diário Halotano.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Taken...

O carro andava sozinho, guiado pela claridade do vislumbre. Um evento fantástico ocorrera ali, jamais narrado antes.

Os seres humanos, colhidos por máquinas vindas do futuro apocalíptico, escondiam-se em clareiras sombreadas em meio aos escombros e pó.

Tomados pela intensidade de suas atividades cotidianas, tais seres jamais imaginavam estar servindo a uma realidade mais poderosa do que eles mesmos! E seguiam no falso controle autônomo de suas vidas.

Desde então, tudo parecia o mesmo.

terça-feira, 14 de abril de 2009

From the Future...

Sou um aficcionado pela chamada "ficção científica". Desde o clássico e pioneiro Blade Runner, até o eterno Terminator (e seus desdobramentos posteriores).

Todos esses filmes, de certa forma, rendem-se às inquietações de um futuro apocalítico, próximo do fim da história. Como que postados sobre um presente carente de sentido filosófico.

Presente e futuro se mesclam, amálgama temporal impossibilitado de dissociação. Assisto aos filmes de ficção científica como metáforas de uma sociedade sedenta por identidade. O presente não basta para explicar o caos social, humanitário, moral e crítico que vivemos em nosso cotidiano.

Assim, recorremos ao futuro trágico, como que almejando reconstruir o presente em si mesmo... Reconstruir nosso próprio papel no mundo!



"Leia como uma Metáfora: O halotano é uma droga bastante utilizada para induzir anestesia geral. Trata-se de um poderoso anestésico de inalação, não inflamável e não explosivo, com um odor relativamente agradável. Após a inalação, a substância chega aos pulmões tornando possível a passagem para o estado anestésico muito rapidamente. Porém, os efeitos colaterais incluem a depressão do sistema respiratório e cardiovascular, sensibilização a arritmias produzidas por adrenalina e lesão hepática."

O que efetivamente sentimos quando dopados? Sentimos ou imaginamos que sentimos? É a mesma coisa? Quais as diferentes sensações dentro deste sistema cartesiano em que vivemos nossa realidade dita palpável?

Imagino que deveria recaptular minhas leituras da filosofia Iluminista, os Esclarecida, ou Ensolarada, não sei, estou confuso. Minha mente gira, e só penso em como seria o mundo se todos fossem dopados.

Aí, em palavras bem simples, como se percebe, considero a possibilidade de já estarmos em estado contínuo de torpor intelectual, ausentando-se de nós mesmos nosso espírito crítico: abandonados em nossa própria miséria midiática...

Estamos como que anestesiados, com crises hepáticas diárias (leia-se bebedeiras, metafóricas ou não) e ataques do coração (não concreto à razão ou sim? Leiamos David Hume).

Postado por Diário Halotano.

segunda-feira, 13 de abril de 2009




Um monstro! Não como hipérbole da engenharia moderna, sim como metáfora de sonhos infantis. Esta ponte, à noite, no trânsito da Marginal Pinheiros, assemelha-se a um minotauro, com chifres, olhos brilhantes e enormidade descomunal.

Como que se fosse engolir os motoristas, transeuntes, ou o rio sujo de pau d'água. Exigindo de Atenas um primogênito e diversas virgens, como tributo a um deus de mentira, de aparências, personificado.

Fera curvada à direita, esquerda, em volúpias e mortais de costas. Parado, braços erguidos, pesadelo pós-moderno do autoritarismo cimentado.

Que o tráfego passe adiante. Não quero estar aqui quando tudo ruir em cinzas, escombros, pó e destroços submersos. Que a besta não me engula em noite de lua cheia, supersticiosa. Vai, trânsito, vai...

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segunda-feira, 6 de abril de 2009


Foto: Fabrício Remigio.


"Se, como assinala Frade, o ‘espanto’ em relação ao detalhe, ao minúsculo, apareceu para a fotografia logo nos seus primórdios, um outro espanto só pôde revelar-se com o advento da tecnologia do instantâneo: o “espanto” diante do “muito rápido”. Nas primeiras décadas de sua história, a fotografia era incapaz de registrar corpos móveis, mas, a partir da década de 1870, o acesso à velocidade tornou-se possível. A intensidade com que fotógrafos como Muybridge e Jules-Marey dedicaram-se às suas cronofotografias (que, de fato, deveriam chamar-se ‘dromofotografias’), constituindo seqüências de movimentos humanos e animais - e a curiosidade que despertavam estas imagens - marcam a época. Libertos da duração, os fotógrafos acreditaram finalmente ter dominado o tempo que antes os atormentava. Mas aquilo que então apreendem é apenas movimento - a forma “cinemática” do tempo, diria Bergson -, sua miragem. Quando surge o cinema, esta miragem se desfaz." - Mauricio Lissovsky.
O Tempo e a Originalidade da Fotografia Moderna

Recipiente vítreo, conteúdo líquido e rubro, prateleira marmórea, fundo amadeirado em papel de parede, rachaduras e estilhaços, o instante fotográfico que se choca e causa espanto! Espanta-nos, pois não conseguimos compreender a possibilidade da apreensão desta ação rápida. "Como é possível captar em fotografia um instante tão rápido no tempo, com essa precisão milimétrica?", perguntamo-nos. E, ao olhar, com palidez, para a imagem destroçada, não percebemos que a captura é apenas miragem do real, uma apreensão cinemática de um tempo que, rápido ou vagaroso, ao ser dominado, não existe mais!

"No prefácio à segunda edição (1843) de A essência do cristianismo, Feuerbach observa a respeito da 'nossa era' que ela 'prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser' - ao mesmo tempo que tem perfeita consciência disso. E seu lamento premonitório transformou-se, no século XX, num diagnóstico amplamente aceito: uma sociedade se torna 'moderna' quando uma de suas atividades principais consiste em produzir e consumir imagens, quando imagens que têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão se tornam indispensáveis..." - Sontag, Susan. Sobre Fotografia.

E o nosso espanto se torna fetiche! Desejamos com ardor a observação do recipiente vítreo se espatifando, mais do que poderíamos ser capazes de almejar a experiência em primeira mão de atirarmos uma jarra de vidro na prateleira no quarto escuro. Somos modernos, construímos nossa identidade sobre imagens do real, sombras do que não existe para nós mesmos e que somente vislumbramos. E nossa cultura, nossa sociedade (também ela moderna, na essência), nossos indivíduos, consomem imagens, instantâneas ou não, fantasias de um real que não existe, ou simplesmente cansa de ser insatisfatório.

Iludimo-nos, portanto, constantemente. Fantasiamos "o que poderia existir se...". E, assim, nunca o vidro se torna metáfora de nós mesmos! Afinal, nunca enfrentamos o conceito que temos de nossa própria representação. Somos, mais uma vez, modernos, e consumimos a imagem destorcida daquilo que pensamos ser, a nossa própria imagem no espelho.

Postado por Diário Halotano.