quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre a Morte não se Filosofa






desde criança eu admirei os "bonés" de meu avô. ofereciam-lhe um ar europeu, belo, elegante. usava-os com frequência, mesmo já surrados pelo tempo, gastos pela experiência. eram sua identidade visual. todos que o viam, que o esperavam, que o conheciam já sabiam de sua careca coberta. lembro-me sempre de dois deles, um para o dia-a-dia, outro para ir à igreja, seu local preferido, depois de sua casa, sua velha casa, na freguesia do ó, em são paulo.

hoje, ao ver seus bonés, no sofá da sala de minha mãe, onde meu avô passou seus anos finais de vida, enchi meu coração de saudade, esse sentimento único e inexplicável, uma mistura de alegria e tristeza, de plenitude e de vazio. admirei-os por um tempo, recobrei a memória de eventos já empoeirados nas prateleiras das vivências pueris. depois, voltando à infância, como criança mesmo, coloquei um deles sobre a cabeça. surpreendi-me com o tamanho reduzido da boina, sempre lembrada por mim como um símbolo da grandeza discreta de meu avô.

enfim, tomei-as para mim, um desejo velho, da juventude ainda em curso. e, enquanto isso, sentei-me para assistir ao final da abertura da copa do mundo fifa 2010. mais uma vez, ainda tomado pelo contato com as boinas, lembrei-me de meu avô. de como assistia-mos, todos, os jogos do brasil na tevê. era efetivamente um evento diverso, único, como cada copa o é, em si mesma. nunca mais esquecerei a final de 2002 contra a alemanha. os gritos, os gols de ronaldo, a emoção de ver o cafu levantando a taça. coberto pela emoção, sei, hoje, neste exato momento, que a copa de 2010 será, claro, única, todavia a primeira sem meu avô. assim, terá um sabor nostálgico, até um tanto melancólico. porém, ainda assim é uma copa do mundo. confesso aguardar com ansiedade.

e é justamente esse o grande desafio quando se encara a morte tão de perto. é uma ruptura, enorme, às vezes insuportável demais em uma rotina tão ausente de significados como é a nossa, nesta tal modernidade. entretanto, seguir a vida é necessário, até desejável, não queremos morrer para nós mesmos. mas como seguir adiante quando se perde alguém que significava tanto? como retomar as rédeas do trabalho, quando a morte bate à porta, mesmo já aguardada há tempos?

ao fazer tais perguntas a mim mesmo (e refazê-las todas, inúmeras vezes), percebi que sobre a morte não existe filosofia. sobre ela não há reflexão teórica coerente. ela simplesmente não faz sentido algum, é o absurdo em si mesma. ela não é. indefinível e inexorável, deixa-nos com a mais simples das realidades: seguir a vida. a morte vai matar você. aproveite cada sanduíche. aprecie cada lance dos jogos da copa do mundo. a vida é curta demais, sabe...