segunda-feira, 6 de abril de 2009


Foto: Fabrício Remigio.


"Se, como assinala Frade, o ‘espanto’ em relação ao detalhe, ao minúsculo, apareceu para a fotografia logo nos seus primórdios, um outro espanto só pôde revelar-se com o advento da tecnologia do instantâneo: o “espanto” diante do “muito rápido”. Nas primeiras décadas de sua história, a fotografia era incapaz de registrar corpos móveis, mas, a partir da década de 1870, o acesso à velocidade tornou-se possível. A intensidade com que fotógrafos como Muybridge e Jules-Marey dedicaram-se às suas cronofotografias (que, de fato, deveriam chamar-se ‘dromofotografias’), constituindo seqüências de movimentos humanos e animais - e a curiosidade que despertavam estas imagens - marcam a época. Libertos da duração, os fotógrafos acreditaram finalmente ter dominado o tempo que antes os atormentava. Mas aquilo que então apreendem é apenas movimento - a forma “cinemática” do tempo, diria Bergson -, sua miragem. Quando surge o cinema, esta miragem se desfaz." - Mauricio Lissovsky.
O Tempo e a Originalidade da Fotografia Moderna

Recipiente vítreo, conteúdo líquido e rubro, prateleira marmórea, fundo amadeirado em papel de parede, rachaduras e estilhaços, o instante fotográfico que se choca e causa espanto! Espanta-nos, pois não conseguimos compreender a possibilidade da apreensão desta ação rápida. "Como é possível captar em fotografia um instante tão rápido no tempo, com essa precisão milimétrica?", perguntamo-nos. E, ao olhar, com palidez, para a imagem destroçada, não percebemos que a captura é apenas miragem do real, uma apreensão cinemática de um tempo que, rápido ou vagaroso, ao ser dominado, não existe mais!

"No prefácio à segunda edição (1843) de A essência do cristianismo, Feuerbach observa a respeito da 'nossa era' que ela 'prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser' - ao mesmo tempo que tem perfeita consciência disso. E seu lamento premonitório transformou-se, no século XX, num diagnóstico amplamente aceito: uma sociedade se torna 'moderna' quando uma de suas atividades principais consiste em produzir e consumir imagens, quando imagens que têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão se tornam indispensáveis..." - Sontag, Susan. Sobre Fotografia.

E o nosso espanto se torna fetiche! Desejamos com ardor a observação do recipiente vítreo se espatifando, mais do que poderíamos ser capazes de almejar a experiência em primeira mão de atirarmos uma jarra de vidro na prateleira no quarto escuro. Somos modernos, construímos nossa identidade sobre imagens do real, sombras do que não existe para nós mesmos e que somente vislumbramos. E nossa cultura, nossa sociedade (também ela moderna, na essência), nossos indivíduos, consomem imagens, instantâneas ou não, fantasias de um real que não existe, ou simplesmente cansa de ser insatisfatório.

Iludimo-nos, portanto, constantemente. Fantasiamos "o que poderia existir se...". E, assim, nunca o vidro se torna metáfora de nós mesmos! Afinal, nunca enfrentamos o conceito que temos de nossa própria representação. Somos, mais uma vez, modernos, e consumimos a imagem destorcida daquilo que pensamos ser, a nossa própria imagem no espelho.

Postado por Diário Halotano.

3 comentários:

Anônimo disse...

Uma correção, a foto não é minha, é de fredrik lieberath e mais pode ser visto na incrível http://www.stockholmnew.com/

Um abraço
Fabricio Remigio

Unknown disse...

Poxa Fabricio, já estava pensando "conheço esse cara, foi meu colega de quarto, oia as fotos dele agora". Estraga Prazeres.

Idéia: vamos fazer uma sessão de arremessos de coisas e alguém para fotografar?

Abs

Ricardo Lazok disse...

Prefiro fazer uma seção de fotos jogando coisas no fotógrafo... mais emocionante!