quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


Foto: Fabrício Remigio.


Hoje dou cabo de minha série curta de elogio aos animais. Inicio uma outra sequência, relacionada à definição múltipla do "anônimo". Alguns de meus mais chegados ofereceram para mim (alguns aida estão oferecendo) sua idéia do anonimato. Vou compartilhar aqui em meu diário. Ao final, deixarei, a quem interessar possa, minha própria perspectiva.

Quem dá o pontapé inicial no anonimato confesso é a Fabiana Nista, ou, para mim, simplesmente fabinista:

"Anônimo é a vontade de estar só. É o não querer ser notado. Anônimo é a nulidade do ser... Anônimo é o não querer existir e ser anônimos por alguns minutos, por algumas horas por alguns dias, às vezes conforta. O anônimo tem mais força nas palavras pois o próprio ser se anula na "anonimidade" (essa palavra não existe). Ficam as palavras, as idéias jogadas no ar, para quem quiser ouvir e imaginar e acreditar que, mesmo em anônimo, ainda existe sensibilidade nas pessoas. Talvez por saber do poder das letras do anônimo, esse anônimo pode querer ter a audácia de ser Deus e causar sensações indescritíveis, incitar idéias, pensamentos e emoções sem ao menos ser visto... A palavra de um anônimo pode ser forte ao ponto de causar metamorfoses borboletárias nas pessoas e principalmente no próprio anônimo que busca no mais íntimo do seu ser a cura dessa vontade triste que o leva a ser anônimo, mas que culminam em resultados surpreendentes. É a transformação no anônimo em herói: herói de si mesmo e dos outros"

A Fabi sempre me agradou em sua escrita automática. Quando ela simplesmente esquece seu apego à matéria gramatical e às regras linguísticas sem sentido, escreve poemas em prosa. Aqui, em sua acepção do anônimo, deixa-nos o heroísmo sem nome do cotidiano.

E é justamente o dia-a-dia a filosofia metafórica que me agrada mais. Todos os dias, banais e triunfantes, são, em sua maneira, deliciosamente reflexivos. Desde uma tarde clichê de trânsito, até um domingo recorrente de sono, futebol e mais sono.

Esta ambiguidade entre o prosaico e o rebuscado, o diário e o pensamento profundo, a nulidade e o heroísmo do ser me fazem continuar vivo. Como que em transe, mas definitivamente pulsando.

Porque a vida, nela mesma, sem densidades teóricas, é um brilho tênue entre o que se deseja e o que deve ser feito. Entre o que se é para si mesmo, e o que se parece aos outros. Um desequilíbrio entre a essência e a aparência.

Fabinista amplia toda a noção de anonimato, elevando-a ao conceito de que somos anônimos mesmo que reconhecidos pelos "conhecidos". Somos anônimos mesmo quando causamos no outro sensações indescritíveis, segundo ela, divinas. Vemos o anônimo todos os dias, mas não o conhecemos em sua profundeza espiritual. Mesmo assim, o sublime nos abraça, como que cobertor de fogo ardente.

Postado por Diário Halotano.

P.S. Fabinista, em seu texto breve, menciona as "metamorfoses borboletárias". É uma citação alterada que ela faz de um de meus textos da "juventude". Um dia ele figurará neste diário!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


Foto: Fabrício Remigio.


Este texto dá continuidade à minha série relacionada aos animais que chamam a atenção. Estes três me atraíram pelo simples fatos de serem simulacro. Não são animais propriamente ditos, mas fingem o ser.

O mesmo acontece com muitos de nós, embalagens de seres humanos. Em uma prosopopéia ao contrário, por exemplo, é comum chamarmos nossos queridos (ou aqueles odiosos) de "camarão", "elefante", "vaca", "girafa", "lesma", ad infinitum.

Entretanto, não é desta relação homem-animal que faço referência. Quando disse que aprecio os animais da foto por serem "simulacro" do real (contrariando Jean Baudrillard), significo que o real é (não em si mesmo, mas para quem o vive) a imitação própria.

A nossa realidade moderna (alguns insistiriam em chamá-la pós) é uma coleção de fetiches e, portanto, simulações do que deveria ser, nunca uma presença empírica do "em si". Deste modo, como em Michel Maffesoli, nossa sociedade não atinge, nunca, a essência dos objetos, dos sonhos, dos sentidos, do que se é; sim os simula todos, como que em um teatro cinematográfico de fotografias do inconsciente. E, como tal, jamais aflora da psiqué. Existimos como que em trânsito, pois não vivemos, não experimentamos, apenas sentimos.

A grande surpresa reflexiva que toda essa demonstatação me traz é a de que, mesmo em um mundo de sonhos, nossas "necessidades" (sejam físicas, sejam da fantasia, como proferiu Marx) estão eternamente insatisfeitas. Vivemos em estado constante de desassossego, insatisfação, ansiedade, desejo, falta, depressão.

Sinto que os habitantes do munto "estão", não "são". Insanos por sua própria natureza onírica. Como que sob o efeito de pílulas para uma esquizofrenia crítica, que não consegue determinar a própria denotação.

Postado por Diário Halotano.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009


Foto: Fabrício Remigio.


Hiato.

Gramaticalmente, vogais que, ao aparecerem próximas em uma mesma palavra, podem-se separar em sílabas. Ou seja, é um fenômeno vocálico, pois as vogais adjacentes soam unidas, todavia são apartadas em unidades distintas.

Metaforicamente, sugere um intervalo entre duas ou diversas ações de um mesmo emissor. Ou simplesmente a parada brusca de determinado ato, para seu posterior reinício, com ou sem aviso prévio. Ou seja, é um fenômeno temporal, pois é determinado pela noção cartesiana de início, meio e fim.

Para mim, é a pausa reflexiva. É quando o camarada entra em estado de torpor e espera. É inalar sem reservas todo o Halotano disponível, em doses cavalares. Ou seja, é um fenômeno espiritual, pois o sujeito (indivíduo) encara seu predicado (reflexão, raciocínio, identidade) e o analisa, como que em microscópio, transformando-o e a si mesmo. O resultado é, pasmem, dialético! Ambos não serão mais os mesmos, negativos.

Postado por Diário Halotano.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


Foto: Fabrício Remigio.


Definindo o Otário

Era uma vez (sim, ainda iniciam-se textos assim) um solitário. Não se sabia se era um homem ou apenas uma peça de roupa.

Importava-se com a maldita escrita automática, menos, cada vez menos com o intelecto polido, argüidor e possante dos tempos da “academia”.

Apenas mantinha textos suaves em sua versão eletrônica de livro, diário ou sei-lá-o-quê. Não mais empoeirava suas narinas em mofo áspero de biblioteca pública fetichizada.

Leu o “Como me Tornei Estúpido” e alcançou o que jamais Martin Page conseguiria colocar em sua algibeira oca e sem fundo. “Tinha poucos amigos, porque padecia dessa espécie de anti-sociabilidade que resulta da demasiada tolerância e compreensão. ... Em um mundo em que a opinião pública está confinada nas pesquisas às possibilidades sim, não e sem opinião, Antoine não queria preencher nenhum quadradinho”.

Era um apátrida no meio de uma sociedade que simplesmente suava soberba moderna sem face e sem poros. Sentia-se mole, como que mesclado em névoa lúgubre. Sentia-se sem identidade, sem “eu mesmo”, desassociado de possíveis grupos que o acolhiam sem saber como.

Espreguiçou sua mente em rede de lã. Sem novelos. Sem parágrafos. Sem vida. Sem história. Sem gosto. Sem compaixão. Sem solidez. Sem pó. Sem tudo o que se imagina existente em alguém que é.

Descansou seu cérebro em tamanha qualidade de colchão, que não era mais capaz de engolir a seco as pílulas da crítica social ou simplesmente qualquer pílula que promovesse raciocínio obscuro.

E saiu do extenso. E abandonou o complexo. E parou a dança com o violinista cego da tumba logo ao lado.

Inaugurou uma nova balada. Sons claros e límpidos. Água gelada em meio aos sons refinados das bebidas coloridas de seus antigos comparsas.

Foi-se. Caminhou-se. Debateu-se, pela última vez. Cambaleou como fera que foge do circo maravilhoso que mostra ao mundo a insensatez. Sua arena era estéril. Seus pensamentos, áridos. Sua filosofia, gelada e cristalina.

Tomou o último gole. Disse adeus. Mediu os caminhos. Mais uma vez, admirou-se de sua própria capacidade de metamorfose. Sonhou, em um suspiro, com a lagarta-borboleta, parou, como que em soluço, de pronunciar metáforas. Era o fim.

Postado por Diário Halotano.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009




Como já havia mencionado, o mês de janeiro foi de empreitadas. E foi longo...

Hoje inicio aqui uma série de postagens relacionadas aos animais. Somente voltarei aqui quando algum ser vivo em movimento me chamar a atenção.

Hoje a minha metáfora é sobre a pomba. Símbolo recorrente da paz, esta me sensibilizou pelo oposto! Encarnou, para mim, em uma sessão fotográfica precisa, o próprio conflito, a ruptura, as consequências do estar vivo...

Fraturada por um meio que a transformou, não o inverso, como se costuma afirmar sobre os seres e a urbanidade. Nós a modificamos, ela nos altera, somos metáforas vivas de onde vivemos. O nosso “lugar” é resultado de nossas ações, ao mesmo tempo em que é agente de quem somos ou nos tornamos.

Quem é a personagem? Qual é o set de filmagem? Quem são os protagonistas? Quais são os coadjuvantes? Quem somos, onde estamos, o que controlamos, quem nos domina todos os dias, sem mesmo percebermos os liames?

Se você julga controlar tudo em seu redor, pense novamente. Pense nos faróis vermelhos, na ética pública de andar na rua, do “lixo no lixo”, dos “bom dia”, “boa tarde”, dos olhares proibidos no decote da vizinha. O ambiente, a urbanidade, as leis, os códigos de comportamento, os prédios, a vilania, os vidros, as grades, os corredores, as proibições, as permissões...

São estes elementos estruturados para dominar você, ou para te proteger? Não seria a mesma coisa?

Postado por Diário Halotano.