quarta-feira, 24 de março de 2010

Enquanto isso, na UTI, Anna Bernnabar espera, sem saber.

O monitor cardíaco toca...

tu, tu, tu, tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu



Com licença, fecham-se as cortinas, é a hora dos especialistas.

(...)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sempre fui assertivo sobre o prazer de meu trabalho. Ao contrário das críticas sociais mais rasteiras, ser um advogado criminal, "soltando bandidos", é um deleite. Muito menos pelos crápulas milionários, soltos nas ruas ao passar por meus critérios interpretativos; muito mais pelo prazer retórico das reuniões, dos diálogos, dos acordos, das leituras, enfim, dos tribunais.

Entretanto, hoje, sentia-me inquieto. Este interlocutor, meu mais novo cliente, pago pela Polícia Federal, investigador criminal de alto escalão, encarava o silêncio com maestria. Sua atitude se completava com minha total inexperiência em casos passionais. Ainda mais uma tentativa de homicídio como esta, dois tiros no peito, à queima roupa, vítima em coma.

Encontramo-nos já por duas vezes. Sempre com procedimentos idênticos: cumprimento-o, apresento meus argumentos em favor de sua defesa, ouço seus impropérios (sempre educados, todavia impropérios) exigindo auto-representação no tribunal, passamos por momentos de silêncio, retiro-me da instituição prisional. Foram já semanas desde o ocorrido, e não consegui montar um caso coerente, que pudesse ser apresentado na corte. Juntei provas forênsicas, questionei-as todas, montei um dossiê com amigos e familiares do casal, interpretei-as todas (ao meu modo, claro, como o faz qualquer bom advogado), porém, sem a versão do autor do ato criminoso, marido de Anna, fico no escuro, como quem quer sair.

Hoje faço a ele minha terceira visita como advogado de defesa. Não repetirei os procedimentos anteriores, não se usa o mesmo método inócuo três vezes. Não me adianta mais apresentá-lo às evidências físicas de seu crime, ele estava lá. Não me adianta mais demonstrar o risco da auto-representação em casos passionais, ele sabe muito bem que não tem condições de se defender. Muito menos me adianta descrever a situação de todo o sistema prisional brasileiro, ele é parte dele, conhece-o por demais. Vou apelar à sua vaidade, como humano, federal, homem. Vou apresentá-lo à sua própria depressão. Vou simular, como se faz em um tribunal, o espetáculo de sua própria miséria. Descrever e exagerar seus sentimentos mais íntimos. Destruí-lo com supostas evidências que o descrevem como um maníaco depressivo medroso, covarde, assassino. Vou retirar de sua cabeça qualquer possibilidade de alegação de insanidade temporária. Por fim, vou desnorteá-lo, aturdi-lo, esmagá-lo, empurrá-lo contra uma parede intransponível dos maiores terrores e dos mais baixos sentimentos de humilhação e desprezo. E, assim que ele começar sua auto-comiseração, entra em cena minha defesa. Encarnarei, em apenas alguns minutos, ao mesmo tempo, todo o clichê do bom policial versus mau policial. Ataco, defendo. E, assim, no seio de sua própria linguagem, terei-o em minhas mãos.