segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sobre a Política (Ou Sobre a Disputa)...


Foto: Carta Capital.


Chegou ao fim mais uma campanha presidencial no Brasil. E, como parecemos já acostumados, apesar da juventude de nossa democracia, mais uma vez o resultado é marcante pela novidade. Tivemos, no dia 31 de outubro de 2010, a primeira mulher presidente do Brasil; assim como, em 2002, o primeiro presidente operário de nossa história oligárquica. Muito se vibrou ontem com a vitória feminina de Dilma, muito além da supremacia de seu partido, em âmbito nacional. Muito se cantou, muitos, eu incluso, se emocionaram.

Agora, que caminhos levaram não apenas Dilma à Presidência da República, porém sim a este conjunto misto de emoções? Por que, comparando ao pleito de 2002, sua eleição tornou possível manifestações de alívio e lágrimas de seus seguidores e "votantes críticos"? Certamente foi esta a campanha eleitoral de disputa mais aguerrida desde o fim da ditadura militar. Opuseram-se forças de um conflito que se coloca no Brasil (ou assim se quer colocar) desde os tempos coloniais. A Direita das elites e a Esquerda dos que sobram.

Sou jovem também, assim como nossa democracia (ainda mais jovem do que eu), e não tinha visto ainda tamanho jogo de forças em uma campanha eleitoral. E digo isso depois de ter participado ativamente da campanha Lula em 2002. Ali, distribuí panfletos, adesivos, fiz corpo a corpo e comprei briga em todos os campos em que atuava, da Universidade (Pública e para Todos) à casa de meus pais. Mesmo ali, em meio ao preconceito de classe e aos deboches de nove dedos, não havia sentido a força desta direita ranheta e rancorosa. A força de suas alianças nefastas com a mídia nativa (nos dizeres de Mino Carta); a força de seus preconceitos de classe, de região, de religião e de gênero; a força de sua vitória a qualquer custo.

Desde os estudos realizados por mim sobre a imprensa na ditadura militar (amordaçada de um lado, cooptada de outro), não encontrava tamanho uníssono em suas versões sobre o pleito. Desde a mídia impressa, até a televisiva e radiofônica, todos pareciam, em níveis de exposição diferentes, apoiar apenas o tal candidato da chamada oposição. Nunca senti tão intensamente a hipocrisia de uma mídia que, autoproclamada imparcial, defendia a qualquer custo sua posição eleitoral e eleitoreira. Neste sentido, o fade out da globo no candidato José Serra, após o término do debate do 2º Turno, é apenas o fechamento patético do que foi, para mim, a mais nova derrota midiática brasileira. Os esforços foram Hercúleos, a derrota, fragorosa.

Para além das fronteiras da prensa, do rádio e da TV, o "corpo a corpo" dessas eleições foi nauseante. Escancarou-se, mais uma vez, o preconceito regional como algo a ser debatido exaustivamente em um país que se quer democrático. Como educador, percebi com assombro outros ditos educadores proferirem frases do tipo: "Claro que no Nordeste ela ganha, e lá nordestino sabe escolher, é só ver as vitórias do Lula"; ou: "É claro que existem cidadãos menores e maiores. Gente esclarecida devia pesar mais na hora de votar"; ou ainda: "É... A quantidade de votos da Dilma entre os de nível superior aumentou. Também, com esse monte de gente vindo do Nordeste pra cá e se formando em qualquer universidadezinha particular...". Assim, a vitória da Dilma foi mais do que o resultado da exposição de ideias para o futuro do país, foi um desabafo dos cidadãos menores, contra o domínio de uma elite preconceituosa por definição.

Se partirmos para a análise dos preconceitos de gênero, a lista de insultos se tornam infinitas. O machismo basilar da cultura brasileira (em extinção, desejo) se manifestou das mais variadas formas, escancaradas e veladas, bem ao sabor nacional. Desde os famosos chamamentos homossexuais, até a última vergonha serrista, ao convocar a beleza feminina para convencer seus companheiros de cama a votarem no PSDB (o partido arauto da família e dos bons costumes). Muitas vezes me perguntei há quanto tempo a democracia brasileira permitia o voto feminino e sua respectiva participação política, pois me sentia envolto em uma atmosfera oitocentista. E um oitocentismo tão anacrônico, que me parecia até mais limitado em suas possibilidades políticas. Até o século XIX parecia permitir mais conquistas do que o nosso XXI.

Enfim, nunca se viu, aos quatro cantos do Brasil, tamanho ódio envolvido em uma campanha eleitoral. Da bolinha de papel aos balões d'água, a corrida presidencial substituiu (no 2º turno mais do que no primeiro) a discussão de projetos pelos ataques pessoais. E, mesmo assim, até neste sentido foi uma disputa desigual. Alguém aí pode pontuar com destreza os ataques feitos diretamente a José Serra como indivíduo? Algo se disse sobra sua hombridade? Devassou-se sua vida política na época da ditadura? Questionou-se sua vida de homem casado, mesmo após os infindáveis flertes com jornalistas femininas? Não Lembro... Entretanto, o que se diz sobre a outra candidata? Desde sua visita ao neto recém nascido no Sul, até sua luta contra uma ditadura suja e inclemente, Dilma não foi poupada. Chamada de Lula de saias, sapatão, terrorista, ditadora, Stalin e outros tantos adjetivos de alto nível (típico de "cidadãos esclarecidos", não?), foi perseguida em todos os momentos não por seu projeto de futuro para o país, sim por ser a mulher que representava interesses maiores do que o das elites (elite esta que, ao longo dos governos Lula também enriqueceu, vale lembrar; tornando a sua oposição ainda mais irracional e odiosa).

É neste sentido que a "esperança venceu o ódio", como havia vencido o medo em 2002. Venceu o ódio de classe. Venceu o preconceito de gênero. Venceu a cidadania maior. Venceu a mídia nativa e conservadora. Venceu o próprio conservadorismo.

Assim, que todos esses setores sociais, vencidos na corrida presidencial de 2010, possam repensar não suas estratégias eleitorais (esse marketing político fora de moda), todavia justamente sua visão do que é o Brasil, e de quem efetivamente decide as campanhas eleitorais. Inexistem cidadãos menores, exatamente porque o Brasil é grande demais para que uns "poucos" continuem a governar a opinião de tantos "muitos".

Adrian Theodor, para o Diário Halotano.