domingo, 17 de outubro de 2010

ah, não me enche o saco, tô contando uma história...



(...)
uma vez eu vi um jacaré. era gigantesco, o maior que eu já vi, muito mau, com cara de bravo. ele estava comendo um outro bicho, acho que era um cavalo, mas eu não lembro. o bicho foi tomar água no rio, e o jacaré estava escondido, ninguém conseguia ver o jacaré na água, nem o cavalo. aí, foi muito rápido, aí o jacaré mordeu a cara do cavalo. e um monte de jacaré, tudo ao mesmo tempo, nossa era rápido demais, começou a nadar, apareceram do nada, você precisava ter visto, eles nadaram e foram ajudar o outro jacaré a pegar o cavalo. e os jacarés começaram a mastigar o cavalo. o rio ficou vermelho de sangue e os jacarés comeram o cavalo. não sobrou nada, comeram tudo, muito rápido, nem deu pra ver direito.

(...)
um dia eu sonhei com um avião. era bem grande, daqueles que voavam em cima do oceano. tinha um monte de gente dentro do avião, que estava voando muito baixo, em cima da cidade. acho que era são paulo mesmo, eu conhecia aquele prédio de algum lugar, mas eu não lembro direito. aí o avião estava voando, em cima dos prédios, muito baixo. e de repente ele começou a descer. dava pra perceber, mas eu não sei como, era um sonho, sabe? daqueles que você sabe o que vai acontecer mas não sabe como você sabe. então, dava pra perceber que ela ia cair naquele campo. e começou a cair e bateu no campo. e bateu de novo e de novo. sabe? igual uma bola de futebol, ficou batendo no chão e rolando e explodindo e um monte de gente saiu correndo, de medo, gritando olha o avião, corre, fogoooo. aí eu acordei todo suado.

(...)
tinha um portão azul, bem grande, que abria um quarto escuro que nunca acendia a luz. e vinha um tigre, daqueles brancos, e o homem do tigre pegava a espada e abria o portão azul. e era muito escuro, aí ele tinha que voltar e pegar uma luz. vinha um lobo, daqueles pretos, e a mulher do lobo era amiga do homem do tigre e ela tinha a luz. e eles tinham que passar pela floresta e conseguir levar a luz pra acender o quarto do portão azul, que ficava na cidade, era longe demais. e eles ficavam andando e o tigre e o lobo vinham atrás, protegendo eles. e a mulher caiu em um buraco, bem fundo. e o homem tinha que achar uma corda, para ajudar a mulher e não cair no buraco fundo. e ele voltava tudo de novo, e fazia uma corda de cipó e ajuda a mulher, que agradecia e dava um abraço. eles continuavam e o homem era atacado por uns inimigos da floresta, e eles lutavam e o tigre e o lobo se machucavam muito. e eles tinham que voltar tudo de novo pra encontrar um homem que cuidava dos animais e curava os machucados. só sei que sempre que eles estavam bem perto do portão azul acontecia alguma coisa e eles tinham que voltar tudo de novo, muitas vezes. aí... eu não sei o final da história.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Prostituindo a Pena!

hoje me olharam de viés e me chamaram de biscate.

então eu tentei revidar, olhar no olho e gritar que me olhasse de volta. que seus olhos tocassem meus olhos e tivessem coragem de repetir tudo aquilo. eu dizia: "bate na minha cara e me chama de putinha! ao menos olhe na minha cara, filho de uma puta!"

só o que me vinha de volta era um rosto carrancudo e inerte: "prostitua sua pena, maldito! dobre seu corpo até que não sobrem mais calças ou dignidade. você não é nada, não é ninguém. 20%. É tudo o que eu te dou!"

sorri. lúcido como nunca. algum dia tinha sido diferente? em algum momento tratou-me com o respeito que eu sempre mereci? algum dia havia recebido eu algum reconhecimento pelo árduo trabalho de dias e dias, noites e noites, madrugadas inteiras, incansáveis, insones, desvirtuadas e vãs?

nunca! só frigidez e desalento. a solidão daquele quarto escuro de estações repetidas. a mesma sineta de horários contínuos sem intervalo. sempre nu, desnudo e pelado. sempre transparente, oposto ao velado de seu rosto carrancudo e inerte.

"ajoelhe-se, seu pedaço de bosta! lamba minhas botas com sua saliva, sua risca de giz, sua esferográfica azul barata e grotesca. que se fodam suas belas ideias sobre o mundo e nossas crianças. não passa de uma poliana, ingênua, pobre, tola e submissa".

sempre sem olhar no meu olho, chutou-me o meio da boca. mordi minha língua e não consegui mais falar coisa alguma. resignei-me, recolhi-me em meus cacos, calei-me e apenas senti a dor, as dores, muitas. chorei.