quarta-feira, 30 de abril de 2014

30.04.14

Se eu me olho no espelho, vejo as rugas no meu rosto indicando que a vida se move em apenas um sentido, para frente. E para baixo. É um pouco pessimista minha visão de mundo atualmente; não mas a esperança juvenil da vida após a vida, a Terra Prometida da Bíblia nos Evangelhos. Um olhar cru sobre a decadência, a minha própria.

Lembro-me vagamente de uma voz, talvez feminina, dizendo para eu prestar atenção num texto singelo meu, publicado em algum lugar sobre algum filme. Ela diz mais ou menos assim: "foram vocês que escreveram isso? (Era de um projeto colaborativo de que participei em 2000, por aí) Não se esqueçam de que escreveram algo assim. Não deixem que o tempo marque essas palavras com um pensamento como 'Nossa! Fui eu quem escreveu isso aqui?'". E a voz ressoa em meu ouvido desde então. E hoje retine como um sino de igreja. Nossa! Fui eu quem escreveu aquilo lá?

Decadência. A percepção seca de que nos últimos quatorze anos minha escrita somente parou de se transformar. A percepção seca de que meus textos são sempre como este aqui, pobres e sem vida; frágeis e indulgentes. A percepção seca de que não me tornei nada além daquilo que fui treinado a fazer, como um cachorro amestrado. Aulas, apostilas, livros, alunos, salas, reuniões, burocracias, números, médias, diários e relatórios. Nada de romances. Nada de livros meus. Nada de contos. Nada de estética.

Consigo olhar para trás e notar espasmos de criatividade, potência. Porém sempre permeados pela busca preguiçosa pela palavra perfeita. Pela leitura descontinua de textos acadêmicos ou literários. Pela ilusão de que o estilo vinha antes da escrita, o glamour antes do trabalho árduo, a inspiração antes dos olhos debruçados na página em branco. É quase como se fosse possível observar um gráfico que deveria ser de uma parábola, mas que não tem auge. Uma curva ascendente que para em algum lugar no meio do caminho e segue retilínea, regular, constante, uniforme, sem espírito.

Anos se passaram, quase duas décadas, e a mesma frase comum serve de síntese e chavão. "Aquele que poderia ter sido e não foi". Exatamente a mesma frase, anos a fio, outrora persecutória e ora simples constatação. "Aquele que poderia ter sido e não foi". Lugar comum. Ninguém extraordinário ou mesmo marcante. Parábola sem auge. Marola. Palavras feitas. Apagado. Comum.