quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

um dia após o outro...




É muito familiar o conceito de que escritores vivem diversas vidas diferentes, escrevendo peripécias e heroísmos, amarguras e tragédias; justamente por não viver vida alguma, soletrando solitário e duro, escuro e vil.

Ao viver vidas diferentes, os escritores são reconhecidos por sua extrema sensibilidade, por desfrutarem da percepção incômoda de absorverem as dores da humanidade inteira. Assim, deste modo, para que um escritor escreva, para que seja assim denominado, deve sentir, mais do que os outros, o seu redor: a brisa da manhã, a morte do suicida, o vôo do acrobata, o salto dos golfinhos em Bimini.

Fraturado, hoje não sou mais escritor. Foi longo o percurso que me trouxe até aqui, porém deixo de lado a pena, por tempo indeterminado. Não mais escrevo, pois não mais sinto. Como uma muralha hispânica que, de tanto emparedar a carne e os espíritos de touros e soldados, bezerros e escravos, deixa de absorver, e tão somente vive, impávida, por entre os escombros do mundo.

Não me importa mais a dor da humanidade, não creio nela. Não me interessam mais as camadas da dor, não as descasco. Não me preocupam mais a identidade e a formação do self, não reflito. Não me aparecem mais novas personagens, assassinei-as todas, genocida do espírito, que sou e não sou mais. Não me crescem mais novas ideias, seco e material. A filosofia foi deitar, dormiu. São, tudo e todos, sólidos em pó, esmigalhados por entre meus dedos ressurretos.

Este é o fim do Diário Halotano, o fim de Anna Bernnabar, o fim do novo começo, que não virá.

Adeus!