quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Eu podia ver que ele carregava pensamentos de morte. Seus olhos abertos, pupilas dilatadas, olheiras negras, mãos trêmulas, suor e a garganta seca, puxando o que ainda restava da saliva grossa. 

Falava-me de sua vida, de como tudo poderia ter sido, dos planos, dos malogros, das desistências, dos medos, uma lista sem fim de tristezas encobertas de agruras e decepções. 

Contou-me, agitado, de como aprendera a esconder de todos sua depressão crônica, de como matara seus desejos de beleza e amor, de como seria dali em diante. Não haveria mais planos ou futuro, companhia ou solidão. Somente o absoluto do tempo, mestre inexorável das dores eternas.

E, confuso, resumiu de novo suas angústias. Desesperado, como quem precisa confessar os crimes ao padre do confessionário, tirou a arma do bolso do paletó. Repetiu-se sobre o tempo, as horas, o exagero do mundo, o absoluto. Disse-me finalmente saber a solução de tudo, o fim da história. 

Empunhava aquele revólver aos solavancos, descuidado, para todos os lados, como que representando seu próprio estado de espírito, inquieto, aleatório e convulsivo. Tenso, fazia trabalhar todos os músculos, ora caminhava pela sala, aos trancos, ora se aninhava no sofá, como em um divã. 

Finalmente, parou. Suspirou. Como quem chega a alguma conclusão que, de tão particular, não pode ser comunicada. Debruçou o revólver sobre o braço do sofá. Tomou uma caneta e escreveu uma nota na contracapa de um livro. Discou um número curto no telefone, esperou... O aparelho deitou-se ao chão. Bruscamente, pegou a arma, engatilhou, dois disparos, e foi embora.    

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