segunda-feira, 14 de novembro de 2011






Este é apenas um trecho de todo um capítulo que consegui tirar do campo das ideias desde ontem. Espero que este tempo de pausa hoje vivido por mim seja produtivo para o "livro verde".




Olhava para todos os lados daquele cubículo empoeirado, alheio e familiar. Sob aquele teto bege, maculado pelo tempo, sentia-se pequeno, frágil. Ocultado de si mesmo, tentava visualizar o que lhe seria o futuro, agora fraturado por suas próprias masmorras, auto-impostas. Regia sua vida como um condutor sem partitura, e se perdia por entre tantas notas em fuga, Si Menor, II Ato, sem piedade ou arroubos de misericórdia. Sua cabeça doía em ressaca. Sua memória parecia conservada em carvalho e a cada gole se transformava. Destilando-se, de grão em grão, nunca era a mesma, traidora de sua vontade. Lembrava-se do que bem entendia, e não obedecia ao controle do maestro. Inexistia qualquer mágica naquela maneira de evocar o passado, tudo era bruto, seco, sem chances de repressão; reminiscências em carne viva, em brasa, dor. Tentava controlar o torvelinho no fundo de um copo, dois, três, perdia a conta. E só alcançava confusão maior, notas dissonantes de uma sinfonia inacabada.

Ricardo, saudoso de sua bastilha e, ao mesmo tempo, aliviado por aquele abandono, tão repentino quanto esperado, vislumbrava os monumentos do tempo, personagem inexorável de todas as vidas de tantos universos, criados por ele ou simplesmente aleatórios. Começava a refletir sobre as obras da ocasião e percebeu, como que em milésimos de segundo de sobriedade em meio à ressaca da ressaca, que estava procurando a culpa de sua situação em algum elemento externo. O trabalho, as rotinas, os poucos amigos, os inimigos todos, os perseguidores, os "stalkers", os desocupados de vida besta, o tempo, o Destino, o coelho de Alice, setembro. Tentava ali, com sono, pânico e amargura, culpar o distante.

E foram estes segundos efêmeros de sanidade que transformaram Ricardo, mais uma vez. Todavia, comentaria ela, ouvindo o relato deste momento único dos lábios macios dele, se não fossem as doses todas de Irlanda em seu estômago revirado, não saberia valorizar os segundos sãos. E era verdade, a máxima verdade, como de costume.

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