segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre a verdade das mentiras (mais uma vez).


Foto: Moon; 07/11; SP-BR.


Existe um problema fundamental na arte literária. Inúmeros leitores a confundem com cópia do real, mera reprodução de uma sequência de fatos. São leitores que, provavelmente, acreditam em tudo o que se lê em um jornal, por exemplo, que confiam fielmente nesta chamada imparcialidade. Se há "autoria" em um texto jornalístico, quanto mais em um literário! Literatura não tem nenhuma relação com a verdade, sim com a verossimilhança, com o que é, internamente, coerente, nada mais.

São muitos os países chamados de "leitores", por possuírem uma porcentagem elevada de indivíduos que consomem este filão especial da indústria cultural chamado de literatura. Não vou rotular nosso país, incluindo-o ou não neste critério comercial. Todavia me parece ainda haver uma necessidade de amadurecimento cultural no que diz respeito à arte de escrever.

Mais ávido do que o desejo pela leitura, em si, aparece o pela curiosidade acerca do que é verdadeiro, no seio daquelas páginas escritas. Como quem analisa documentos históricos de uma guerra, o leitor questiona o que é real, o que não é; o que é inventado, o que não é. O contexto da obra sobrepuja seu texto.

Age-se como um historiador das mentiras, que empreende uma análise rebuscada de toda a vida do autor, seus romances, seus fracassos, suas batalhas, sua vida familiar. E, no momento da leitura, o texto aparece como suporte da "vida e obra de fulano de tal", não como elemento de análise em si mesmo. Reelabora-se uma biografia do autor a cada novo texto, que é nela inserida apenas como mais um elemento componente de sua existência funcional.

Não há autor sem obra, não há obra sem autor, é verdade. É uma relação essencialmente dialética, ambos se transformam, a cada tessitura, em algo completamente diferente do seu estado inicial. E, talvez por isso mesmo, diminuir uma obra literária ao contexto de seu autor não faz sentido algum. Ela tem um valor intrínseco e, portanto, deve ser analisada no interior de sua própria linguagem, forma e conteúdo.

Toda essa questão se torna ainda mais evidente quando autor e obra mergulham no contexto das "Redes Sociais", espaço virtual próprio da exposição. Ao contrário do que parece, ali não há liberdades e o efêmero toma perspectivas de sedimentação. O alvedrio, apenas aparente, é vigiado, monitorado. E a noção de que tudo passa, grande argumento de quem relaciona a internet com a sensação de falta de lugar, tão própria da modernidade, é, na verdade, transformada em instrumento de rotulação. Quais os limites de uma liberdade compartilhada com tantos "seguidores"? São mesmo passageiras as informações inseridas em um espaço onde todos buscam a definição de quem escreve?

Neste sentido, como poderiam usar as redes sociais os autores literários? Existem aqueles que, na ânsia de compartilhar suas citações, mas com severo temor em serem pessoalmente associados aos seus textos, criam personagens, ou usuários fakes. Assim, toda e qualquer escritura ali executada não seria obra sua, sim de sua personagem. Outros, como eu, simplesmente despejam nas redes sociais o que vai dentro do peito de autor, sempre ativo, inseparável de sua "pessoalidade", todavia não íntimo dela.

Por conseguinte, claro, muitos de meus textos literários, de 140 caracteres ou não, são confundidos com fatos. Há quem me leia nas redes sociais e, automaticamente, julgue saber de tudo o que acontece comigo, dentro e fora desta máscara a quem nomeio corpo. Mais uma vez, chamo-os de historiadores das mentiras, analistas de ilusão, pobres leitores. Precipitados, perdem a profundidade do texto para ganhar o diagnóstico do contexto. Aquele, literário; este, indecifrável a olho nu.

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