segunda-feira, 3 de maio de 2010

Encarei-o, o fundo de seus olhos, naquela sala de vidro, sob o segredo de anos dormentes. Ninguém, muito menos ele, saberia o que se passou dentro de mim durante o sono de tempos eternos, o meu sono, só meu.

Foram guerras seculares, escatologias múltiplas, redenção e perdição; pensamentos fluidos de quem não se importa mais, justamente por querer tão-somente estar vivo.

Ao vê-lo, ali, debruçado sobre meu corpo, minha memória me traía, não sabia se eu era eu, se o sono havia me transformado em mil pedaços diferentes, em uma realidade fantástica de caleidoscópio. Nem mesmo me lembrava de como o sono começara. Teriam sido explosões, tiros, estupro, múltiplas violações da moral?

O sono, mestre do tempo e da espera, tomara-me de súbito. Como um passageiro da escuridão, onde tudo se vê com olhos do vislumbre. Não há perguntas no sono, não há inquietações no sono, não há conflito no sono. Apenas o mergulho surdo para a clarividência de você mesmo.

O que teria me levado àquele momento único, de tocar os meus olhos em seus olhos? O que deveria eu sentir por aquelas pálpebras, diluídas em sais? Quem era aquele, mãos para trás, acompanhado de dois policiais de baixa patente, como que partido, pueril? Não o reconhecia, não me reconhecia, não nos sabíamos mais.

O sono, em nuvens, em azougue, fez-me supernova. Um voo da fênix. Dilatada dentro de mim. Palavras soltas, síntese pura da indefinição, página em branco.

Começaria ali, naquele quarto de hospital, transparente e branco, uma nova história.

Um comentário:

Lucas Lucas disse...

Em apenas uma vida para se viver. São sábios aqueles que optam por nascer de novo.