segunda-feira, 16 de março de 2009




Hoje descobri o blog de um velho amigo, Rodrigo de Oliveira Antonio, neto de Antonio Elias, um senhor distinto, que habita minha imaginação. Deste modo, em homenagem a Oliveira, deixo um texto de minha juventude para vocês (se desejar, compare o texto com a nossa definição metafórica do Halotano):

Estava eu andando em minha belicosa vizinhança quando deparei-me com cenas nada surpreendentes e de tudo chocantes...

Moro em um bairrozinho no subúrbio de São Paulo, na zona Sul, conhecido pelas agruras intrínsecas aos campos marginalizados pelo sistema capitalista de produção; lugar caracterizado pelo envio em massa de mão-de-obra aos centros produtores, mão-de-obra essa atarracada em pequenos compartimentos cúbicos de transporte.

...entretanto não é a descrição do nicho o centro de minha narrativa, voltemos às cenas que causaram minha surpresa, ou seria epifania...

Era uma tarde de sexta-feira, estava voltando de mais um dia exaustivo quando senti um aroma especial de café em uma das casas da ruazinha companheira de outros cheiros menos amigáveis; andei mais algumas quadras e vi crianças batendo uma bolinha no meio da mesma ruazinha, em frente a uma escola companheira de jogos menos inocentes; continuei... A luz do sol estava com um brilho diferente e não fervia estufante; as janelas pareciam estar fluorescentes; o cafetão da rua Z implorava por casamento aos pais da Patrícia; o gato perseguia aquele Boxer truculento; a luz nos olhos daquela menina da esquina não eram mais de lágrimas, estranhei.

Algo parecia estar ocorrendo, a ordem das coisas estava mudada, peças estavam fora do lugar, minhas sinapses não eram suficientes para captar o novo circuito. Foi então que o mais surpreendente aconteceu: os sons desapareceram! Nada mais podia ser ouvido. Os gritos, as balas, os fogos de artifício, as cigarras, o Rap, o Hip Hop, os avisos, os pneus... Nada mais vibrava em energia sonora... Fiquei estático, toda a energia cinética de meu corpo foi armazenada, o nível de adrenalina subiu, a sistêmica e a pulmonar aumentaram o fluxo, a pressão arterial atingiu níveis limítrofes.

Foi quando uma brisa passou leve. Minha cabeça virou-se na direção do muro de minha casa, um algo cilíndrico, pequenino e apastelado na cor encontrava-se lá aderido, era a única unidade que emanava algum ruído naquela região lacônica. Um som crackeado, foliado, iridescente (se é que som tem cor). Movimentos brutos e ininterruptos brotavam da unidade, até que uma aparente exaustão fez com que a luta cessasse. Meu corpo já voltava ao normal e eu podia tecer alguns movimentos, aproveitei-me da situação favorável e fui em direção da unidade cilíndrica. O processo estático de meu organismo voltou. O ruído voltou. Os movimentos contorcidos voltaram. O módulo pequenino então rompeu... Uma claridade césica traspassou minha carcaça corpórea, caí entorpecido; o ruído deu lugar a um som tufônico somente explicado por teorias típicas dos anos 60; a cápsula tombou vencida e uma série de cores lúdicas e oníricas vibravam sobre minha face anestesiada. Seria esse o motivo de todas aquelas transformações?

Por alguns segundos, durante o nascimento ou transformação ou metamorfose ou surgimento do imago daquele artrópode, o mundo parou. O fenômeno da “Explosão Borboletária” – como ficou conhecido – fez com que a roleta desse lugar ao futebol. A prostituição ao casamento. A erva ao grão. O choro ao orgasmo. Durante alguns minutos todas as ondas sonoras deixaram de ser emitidas; os sistemas simpáticos das massas humanas de todo o planisfério terrestre incrementaram níveis catastróficos de adrenalina para que a situação caótica fosse possível dentro de cálculos matemáticos predeterminados; naquele instante milhões exatos de borboletas sofriam metamorfose ao mesmo tempo, tornando inevitáveis os acontecimentos físicos, psicológicos e reveladores subseqüentes.

A “Borboletária” excitou cientistas de todo o mundo ao ser um indício determinístico do indeterminado, ou seja, uma prova quase que irrefutável da existência do que costumamos chamar nos meios de pesquisa de Teoria do Caos. Por outro lado, agitou o mundo filosófico ao modificar profundamente o meio ambiente das populações, afinal, durante o fato, costumes foram alterados definitivamente, ou seja, o café continua a ser coado todos os dias no mesmo horário, o boxer nunca mais foi o mesmo, Ronaldo e Zulmira casaram sua filha com o cafetão, a menina da esquina irrita a todos com seus gemidos diários e eu tenho espasmos musculares desde o ocorrido.

Postado por Diário Halotano.

Um comentário:

Anônimo disse...

=) A casa agradece a visita e a lembrança desse texto, dos anos de aprendizagem de Adrian Meister Corbó. Além do eternalheta, que tem um regime sazonal, sugiro que nos acompanhe no http://miradouro.wordpress.com, onde - sempre às quartas-feiras - a labuta é crônica e semanal.

Um abraço saudoso e fraterno,
Rodrigo