Leia como uma Metáfora:
O halotano é uma droga bastante utilizada para induzir anestesia geral. Trata-se de um poderoso anestésico de inalação, não inflamável e não explosivo, com um odor relativamente agradável.
Após a inalação, a substância chega aos pulmões tornando possível a passagem para o estado anestésico muito rapidamente.
Porém, os efeitos colaterais incluem a depressão do sistema respiratório e cardiovascular, sensibilização a arritmias produzidas por adrenalina e lesão hepática.
Conta-se a história de uma menina que conseguia enxergar nossa realidade de um modo tão peculiar, que a chamavam de "menina do realismo fantástico".
Dentre as anedotas que dela se conta, hoje no mundo inteiro, está aquela do dia da chuva, foi mais ou menos assim:
Estava a menina em sua casa, enxergando elementos únicos e realidades fantásticas, quando chegou a chuva, forte como nunca se viu. E então, em meio ao torvelinho natural, viveu ela seu próprio furacão. Ela via, e não era meramente sua imaginação, as gotas de chuva levando embora suas maiores esperanças e sonhos. Via mesmo, com os olhos materiais, as gotas empacotando suas esperanças e sonhos, como pequeninas bexigas d'água. E foram todos, rua abaixo, rápidos como em toda grande correnteza. Brutais, como em toda tempestade.
E os relatos não param por aí, neste dia chuvoso e triste. Conta-se também, hoje no mundo intero, sobre seus banhos diários, em um chuveiro material, em uma realidade fantástica:
Estava a menina ao banho, quando, ao consultar suas memórias reprimidas, derreteu em sal, água e partículas minúsculas coloridas. Multiforme, podia ser esmagada, transformava-se em mil objetos, mil formas, mil possibilidades. A cada manhã, o fantástico se apresentava para ela, ao banho, caleidoscópio.
E, assim, de eventos mágicos em eventos mágicos, ao longo dos anos, sua fama foi percorrendo o mundo, hoje o mundo inteiro. Muitas são as histórias que dela se conta. Mas, em breve, finalmente, ela se revelará ao mundo em suas mais brilhantes idéias e mais sofisticadas experiências. Logo, bem logo, Anna Bernnabar, essa russa misturada com árabe, reunirá tudo em um livro, as Meditações Seculares. Prometo acompanhá-la de perto. Prometo informar vocês.
esses sentimentos inomináveis da poesia, dos poemas, da sensibilidade das palavras, morto!
todo esse alfarrábio semântico que de nada mais serve há tanto tempo já.
morte em vida, trocadilhos infames e imbecis.
simples sinonímias do espírito, da carne vazia e oca, que não ecoa, que não ouve, que não vê.
sem retorno ou eco, repetições e mais repetições, redundâncias em redundâncias...
essas métricas bestiais e prisionais.
essas medidas, esses parâmetros, regras, grafismos, gramáticas, leis e leis e leis, mais nada!
estou cansado da ausência de cores, dos nomes que se dão às cores do peito alheio e do meu mesmo.
farto, enfastiado, cheio desses códigos de conduta que arregaçam os desejos mais belos, puros e putos.
palavrões são mais honestos do que essas meias palavras medidas e feias, simetricamente alinhadas em discursos do que não é, nao foi, não será.
onde estão as verdades, mortas na língua dos humanos prontos a ferir.
nada mais humano do que as mentiras, larvas podres e vivas, soltas nos lábios em carne viva, à mostra nos humanos vis mais comuns.
o que é a amizade, em uma selva louca, transitória e estática?
o que são as palavras, essas prostitutas que se prestam a qualquer uso, sempre igual, sempre o mesmo, sempre de novo, sem preço?
o que são os sentimentos, esses furacões imbecilizados pelo beijo, pelo vício, pela virtude, pelas letras?
meros adjetivos, substantivos, sinônimos medíocres de seres medíocres, ralos, rasos, sopa nazista e pós moderna!
chega! basta! não quero mais palavras. quero explodir, sair, sentir, despojar-me dessas ênclises, próclises e mesóclises da raça humana falida, bastarda, fétida, falsa, mascarada, pequena, fértil, dominada, idiotizada, repetida.
basta! chega! não quero mais adjetivar meus verbos, em um discurso da vida que parece não viver, não narrar, apenas gestos mecânicos mortos e respirando!
e daí que as nossas experiências não podem ser comunicadas? e daí se não há um outro? o ser humano não presta mesmo!
afinal, há um eu mesmo? nessa esquizofrenia chamada existência?
o que há? o que não há? o que existe ou deixa de existir? importa mesmo esta merda?
nada além de palavras, repetidas, amargas, doces, podres, sujas, mortas, vãs, sempre as mesmas, desde ontem, até amanhã!
e depois, e depois e depois... sempre palavras.
sempre as mesmas palavras, ditas, não ditas, ditadas.
ah, que se fodam as palavras, eu mesmo, as mesmices, você!
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Um dia desses um amigo me disse que era a representação do espelho côncavo (ou era convexo? Sei lá, confundo-me em meio ao labirinto tipológico dos espelhos). Isso me fez pensar. Por que esse nosso vício em espelhos e reflexos? Somos, assim mesmo, tão incompletos? Lembrei-me, inevitavelmente, de Manuel de Barros. Transcrevo-o, mais uma vez, a seguir:
XI
Bernardo é quase árvore. Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe E vêm pousar em seu ombro. Seu olho renova as tardes. Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho 1 abridor de amanhecer 1 prego que farfalha 1 encolhedor de rios - e 1 esticador de horizontes. (Bernardo consegue esticar o horizonte usando 3 fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.) Bernardo desregula a natureza: Seu olho aumenta o poente. (Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?)
Manoel de Barros, mágico pantaneiro e cavalo de Bernardo - Livro das Ignorãças, 1993
Postado por Diário Halotano.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
Tenho uma tradição de ano novo. Vejo o dia clarear no 1º de janeiro. Não durmo, vejo o nascer do primeiro dia do ano novo. Esta experiência me faz novo, todos os anos. Enquanto observo o raiar do dia, sinto a invasão da luz matinal, ouço o canto dos pássaros e os primeiros movimentos humanos na rua. Gosto de pensar na redundância de tudo isso. É um dia único, mas os fatos são tão corriqueiros, como um feriado qualquer, um domingo qualquer, um dia de descanso qualquer.
Mas, a cada ano, esta simples experiência se traduz em diferentes sentidos. No dia 1º de janeiro do ano passado, minha vida passava por uma conturbada transição profissional, motivada pela dolorosa perda de um amigo que, metaforicamente, falecera. Hoje de manhã, contudo, as sensações eram diversas. Foi a primeira manhã de janeiro no apartamento novo; não passo por crises profissionais; tenho novos amigos. Se em 2008 passei por uma virada transitória, em 2009 cruzei o horizonte da confirmação! Sem medos, sem temores, sem pestanas, sem preguiça, sem dúvidas. Com firmeza, com amor, com auto estima, com coragem, com convicção.
Mais uma vez, feliz 2010 para você. Aliás, feliz 1º de janeiro de 2010, para ser mais afinado com o que sinto aqui dentro.